Eca! Odeio TEORIA!....só que não.

    (ou: A importância da teoria para a prática)


Imagem: Arquivo pessoal

     Já faz algum tempo que escuto muitas pessoas dizerem que não conseguem ler determinado livro ou assistir determinada aula pelo fato de ser tudo muito "teórico". Da mesma forma, escuto constantemente que muita teoria não ajuda em nada na prática. Ouço ainda que "na teoria é tudo muito bonito, mas na prática as coisas não são bem assim".

      E você tem todo o direito de concordar ou discordar de cada uma dessas questões. Porém, todas elas me incomodam. E muito. Me dê uma chance e, com a melhor das minhas intenções, vou explicar o porquê.

     Para começar, sou suspeita para falar em leitura teórica, pois sou apaixonada por literatura com esta faceta. Adoro ler livros que me ensinem mais sobre diversos assuntos, sobre a minha área, sobre as descobertas e estudos de diferentes tempos, sobre conceitos que sustentam a minha forma de pensar e as minhas ações.

       É como se tudo o que eu faço em sala de aula e dentro da escola funcionasse sobre alicerces muito mais seguros por causa da teoria que está dentro de mim. Quando eu leio e construo um entendimento mais sólido sobre os diferentes conceitos que permeiam tudo o que é feito, faço com mais clareza, com mais convicção, de maneira mais certeira e, geralmente, com resultados mais relevantes.

        Um jeito simples de pensar nisso é pensar que eu não posso pintar o desenho de um sol de amarelo se eu não sei que cor é amarelo. Ou seja, se eu não sei qual dos lápis de cor é o que chamamos de amarelo (que é uma palavra totalmente abstrata, inclusive, pois o nome não tem nada a ver com o objeto concreto em si - aliás, cor nem é objeto! - e daí os diferentes nomes nas diferente línguas, por exemplo). 

       Quando eu aprendo o que é o amarelo, aí sim eu consigo pintar o desenho do sol com essa cor. Ao aprender qual cor é o amarelo, posso dizer, de maneira bem superficial, que eu construí um conceito, ou seja, atribuí um significado a essa palavra. De agora em diante, a palavra amarelo vai ter um significado para mim, significado que está na minha mente e que direciona totalmente as minhas ações em relação a essa palavra, a partir de agora.
     
       Porém, só nesse pequeno exemplo já é possível mostrar como a teoria e os conceitos são importantes para a prática. Saber qual cor é o amarelo me fez construir um conceito e atribuir significado a uma palavra, relacionando-a com uma cor que meu olho enxerga e meu cérebro identifica e diferencia das demais cores.

      Nesse caso, posso dizer que eu aprendi a atribuir significado a uma palavra e a identificar a cor amarela. E identificar é uma habilidade prática, mas que depende de conceitos totalmente abstratos, como cor e amarelo.

   Essa construção do conceito de amarelo também demanda fazer uma relação supercomplexa, que é relacionar uma palavra a uma cor. E aí entra outra habilidade, que chamamos de classificar. Para classificar, eu preciso colocar aquele objeto, palavra, elemento, dentro de um grupo. Nesse caso, o grupo das cores. Eu aprendi a identificar (habilidade) que aquela cor (classificação do elemento) se chama amarelo (conceito). 

       Até aqui, deu para entender basicamente o que é um conceito, como ele é construído e por que ele é importante? 

       Ok, mas o que isso tem a ver com teoria e prática?

       Primeiramente, o processo de construção dos conceitos de cor funciona do mesmo jeito que a construção de outros conceitos mais complexos. Nada mais é do que atribuir significado a uma palavra. Dependendo do significado que eu dou a essa palavra, isso vai interferir na minha prática, ou seja, nas minhas ações.

       Por exemplo: se para mim, verbo é um conjunto de palavras que indica ação, estado ou fenômeno da natureza, corrida é uma palavra que pode ser classificada como um verbo? Infelizmente, não. Corrida não é um verbo, embora indique uma ação, ou seja, algo que se pode fazer. 

       Isso afeta diretamente nossos alunos quando pedimos que eles encontrem verbos dentro de um texto e eles selecionam palavras como corrida, chuva, destruição. Eles podem ter decorado que verbo é uma palavra que designa ação, estado ou fenômeno da natureza, mas é preciso que eles atribuam um significado (bem complexo por sinal) às palavras que chamamos de verbos e outro significado às palavras que não são verbos, para assim poderem separar umas das outras. 

       Se seu aluno selecionou a palavra chuva dentro de um texto quando você pediu que ele encontrasse verbos, pode-se dizer que ele está com uma construção desse conceito muito mais avançada do que se tivesse selecionado a palavra água, por exemplo, que é um substantivo que nomeia um determinado elemento. Nesse caso de ter selecionado a palavra chuva, não podemos dizer com certeza que o aluno não sabe o que é verbo, pois ele escolheu uma palavra que dá a impressão de ser uma "ação, estado ou fenômeno da natureza". Precisaríamos de mais dados para saber se ele apenas chutou ou se tem uma hipótese (um conceito em construção, um achismo bem fundamentado, digamos assim) sobre o conceito de verbo.

       Por fim, vamos pensar no trabalho de um professor ou gestor escolar. E vamos pensar em como a teoria afeta a prática. Para isso, vou utilizar um exemplo relacionado a um tema muito importante, sobre o qual haverá outras publicações específicas só para falar sobre ele: avaliação.

    Imagine que eu tenha um conhecimento geral sobre a palavra avaliação. Esse conhecimento vem das minhas experiências como aluna, como professora, como colega de profissão, como aluna da graduação que ouviu sobre esse assunto em algum momento.

      O meu conceito de avaliação foi construído através de todas essas experiências. E vamos supor que, de acordo com essas experiências, para mim a palavra avaliação signifique prova, teste, questionário. Para mim, essas provas, testes e questionários servem para eu saber o que meu aluno sabe. Então eu proponho um questionário para saber se meu aluno aprendeu o que eu ensinei, de maneira geral. 

      O meu conceito de avaliação vai determinar a forma, o recurso, o conteúdo do instrumento que eu vou utilizar para avaliar meu aluno. E isso é ótimo porque, de certa forma, há uma coerência entre o que eu penso e o que eu faço. 

        O problema é que meu conceito de avaliação é muito restrito, muito pautado nas minhas experiências pessoais apenas. É o que chamamos de senso comum, ou seja, é um conceito construído de forma generalizada e com pouco aprofundamento.

       Agora, imagine que eu tenha lido diversos livros sobre avaliação, por exemplo. Livros que foram escritos por pesquisadores que de fato estudaram, foram a campo, fizeram uma revisão bibliográfica e histórica, entenderam como o conceito de avaliação foi se modificando ao longo da história, de que formas os alunos podem mostrar o que sabem, perceberam que existem diferentes tipos de avaliação, que cada tipo pode servir para avaliar algo diferente na aprendizagem dos alunos. 

      Imagine que eu tenha frequentado um curso de formação continuada sobre avaliação, que discuta esses autores que eu li, que apresente diferentes instrumentos de avaliação, que me coloque para pensar sobre todas essas coisas, inclusive sobre as minhas experiências prévias, que são muito importantes, com certeza. Imagine que eu tenha ido a uma roda de conversa ou que eu tenha assistido a um debate sobre avaliação, que me fez refletir sobre diferentes pontos de vista.

     Nesse caso, provavelmente, o meu conceito de avaliação será bem diferente do que aquele que eu construí de forma mais superficial. É o que meu querido Paulo Freire chamaria de evolver da "curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica¹". 

      Quando isso acontece, a construção do conceito de avaliação na minha mente toma outro rumo, se amplia, me traz mais segurança para atuar. Isso significa que vou acabar com as provas, testes e questionários? Claro que não. Significa que eu posso ter mais conhecimento, mais repertório para criar instrumentos de avaliação que vão me mostrar o que meu aluno sabe com muito mais veracidade, com muito mais certeza.

      Pensando em avaliação, especificamente, a teoria vai me ajudar a entender que não existe uma avaliação, mas várias avaliações. Que avaliar não é apenas conferir se o aluno decorou o conteúdo. Que até para verificar a aprendizagem dos conteúdos é possível pensar em estratégias que mostrem o que o aluno sabe de fato e não o que ele estudou um dia antes para acertar a lista de perguntas e depois esquecer completamente o que viu.

      O tema avaliação dá margem para uma discussão muito maior, que ficará para outro post. O fato é que utilizar esse tema como exemplo ajuda bastante a entender por que a teoria é tão importante. A teoria me ajuda a construir conceitos. A construção dos conceitos influencia minha prática. Logo, a teoria influencia a prática. 

     E digo mais: a teoria surge da prática. Nenhum pesquisador da área da Educação que preste escreve um livro porque acordou de manhã e pensou "puxa, acho que avaliação é isso!", ou ficou vinte anos trancado em um escritório escrevendo baboseiras sobre o que é avaliação. O pesquisador escreve sobre aquilo que estudou na prática, sobre o que viu acontecer, sobre o que pode ser comprovado, sobre o que acontece nos processos de aprendizagem. E tudo bem haver diferentes teóricos com diferentes vertentes. 

     O mais importante é entender que o conhecimento teórico me ajuda a ter uma prática mais assertiva e, principalmente, melhor fundamentada. O repertório que eu tenho sobre um assunto, por exemplo, influencia diretamente a forma como esse assunto se estabelece e acontece no meu fazer cotidiano.

        É o que eu penso sobre as coisas que me faz fazê-las como eu faço. Por isso, para mim, a teoria é muito, muito importante para a minha prática.

¹ FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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Comentários

  1. Contato do Instagram para seguir também por lá: @profa.biaventuri ❤📚💻👩‍🏫👩‍💻

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  2. Obrigada pelo texto incrível, que me gerou boas reflexões.
    Concordo plenamente com sua visão e vivo isso cotidianamente. Vejo a teoria sustentando minha prática, enquanto minha prática reafirma o que está na teoria, em um ciclo virtuoso!

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    1. Obrigada!!! É tão bom encontrar pessoas que compartilhem experiências! Nos sentimos acolhidos e o trabalho em rede vai transformando nossa realidade! ❤

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