Imagem: Arquivo pessoal
Desde pequena sempre ouvi uma pergunta que deixava (e me deixa ainda) bastante intrigada: "O que você quer ser quando crescer?".
Sempre achei essa pergunta fascinante! O que EU quero ser? O que eu quero SER? O que eu QUERO ser?
Meu Deus! Que perguntas incríveis! Inquietantes, enlouquecedoras, mirabolantes, desafiadoras, desconcertantes!
Passei a vida assistindo diversas pessoas ao meu redor escolhendo o que queriam ser. Professoras, arquitetas, vendedoras, advogadas...Que difícil decisão é essa que temos que tomar.
Os anos foram passando e eu também precisei me decidir, afinal, já estava na hora de escolher o que eu queria ser quando crescesse, já que crescida eu estava!
Escolhi o que queria ser: professora.
Mas eu não queria só ser assim, professora, uma professora, qualquer professora. Eu queria ser PROFESSORA. Aquela professora que eu cresci aprendendo o que era, que eu cresci idealizando e romantizando. Que eu cresci experimentando em todas aquelas e aqueles que passaram por mim.
Eu queria ser a professora que EU QUERIA SER. E foi assim, que de tanto estudar, ler, pesquisar, investigar, discutir, ressignificar, escolhi exatamente que tipo de professora eu queria ser. Mas não sabia se conseguiria. Era muito difícil ser essa pessoa.
Afinal de contas, eu estava escolhendo o que eu queria SER. SER é algo muito importante, muito pessoal, muito significante, muito relevante. Ser...ser...sempre ouvi que não importa o que a gente vai ter, mas sim quem a gente vai SER. Ser...que difícil é ser alguém ou alguma coisa.
Mas, enfim, escolhi SER PROFESSORA.
Enquanto professora, não perdia uma oportunidade de fazer aquela mesma pergunta para todas as coitadas das criancinhas que cruzassem o meu caminho! "O que você quer ser quando crescer?", "Já pensou no que quer ser quando crescer?", "Ei, você já sabe o que quer ser quando crescer?"!
Pobres coitadas...
De tanto perguntar, comecei eu mesma a refletir sobre a magnitude de tal pergunta.
Sendo professora, quanto mais eu lia, mais eu percebia que ninguém precisa só pensar no que quer ser quando crescer. A criança e o ser humano precisam o tempo todo pensar no que querem ser, mas não quando crescer. No aqui, no agora, no que é, no que foi, no que faz, no que fez, no que fará.
Somos sujeitos das infinitas possibilidades do futuro mas, mais do que isso, somos sujeitos irrefutavelmente rendidos ao presente.
As decisões do que nos tornam quem somos acontecem no aqui e no agora. Vai, fica, fala, cala, faz, não faz, enfim... somos quem somos porque nossas atitudes nos revelam nos pequenos "agoras" da vida.
E foi entre essas e outras que comecei a perceber que escolher quem a gente quer ser é uma tarefa muito triste e solitária, ingrata, até.
Por que é que eu tinha que escolher o que queria ser, se queria eu ser tantas coisas?
Por que é que a gente tem que ser uma coisa só?
"Ah, mas a profissão é uma coisa, o que a gente faz na vida é outa. Pode muito bem ser professora e ter um hobby de bailarina!"
Ouvi isso durante algum tempo, mas não era bem disso que eu estava falando. Não era como ter uma identidade secreta, ou como ser coisas diferentes em lugares diferentes.
O que eu sentia, bem lá no fundo, é que ninguém PRECISA ser uma coisa só coisa nenhuma!
E se eu quiser ser professora, mas também quiser ser desenhista? E se eu quiser ser professora e desenhista, mas também quiser ser cabeleireira? E se eu quiser ser professora, desenhista, cabeleireira e ter uma loja de roupas? E se eu quiser tudo isso e ainda quiser ser uma coisa que eu nem sei que quero ser ainda?
Foi aí que percebi a crueldade.
Aliás, aS crueldadeS, assim, no plural.
A primeira crueldade que percebi foi a crueldade do tempo.
Como é que faz pra arrumar tempo pra ser tudo o que a gente quer ser? Como é que faz pra ser professora, desenhista, cabeleireira, ter uma loja de roupas, cuidar da casa, ser mãe, ser mulher, ser amiga das minhas amigas, ser filha da minha mãe, ser neta da minha avó, ser nora da minha sogra, ser vizinha no meu prédio, ser a tia que faz a decoração de natal e ensina o sobrinho a andar de bicicleta e ainda tem que estar de unha feita, roupa passada, corte de cabelo acertado, cachorras de banho tomado, trabalho do curso feito, seguir praticando o desenho pra não enferrujar...UFA! Quanta coisa ao mesmo tempo!
E eu ainda fico querendo dizer por aí que dá pra ser mais de uma coisa só quando crescer?
Loucura!
Não dá tempo...
Mas a crueldade mais cruel que o tempo é a crueldade da decisão.
Decidir é difícil, parece que qualquer decisão é passível de um erro ou de um acerto. Que cruel!
Por que é que ao decidir algo que é errado temos que saber que era errado?
Por que é que temos que saber o que vai acontecer antes de decidir o que achamos que vai acontecer? E se acontecer e você decidir errado, já errou todo o resto, porque agora vai ficar tudo errado.
Não dá pra "des-errar". Não dá pra "des-decidir". E aí quando você vai ver, uma coisa ligou na outra e a outra ligou na uma e tudo virou uma grande sequência de escolhas erradas que a gente fez quando teve que começar pela pergunta "O que você quer ser quando crescer?".
Sempre escuto "Ah, se eu pudesse voltar no tempo com a cabeça que eu tenho agora..."
Mas essa cabeça só está aí agora porque já passou tudo o que passou até chegar nesse agora!
Que complexo!
...Mas tem nexo... Nexo? Nada tem nexo!
E que bom que essa falta de nexo existe, porque é ela quem nos permite ser um pouco de tudo, arriscar aqui e ali, ir percebendo que somos, quem queremos ser, o que fomos e o que desejamos nos tornar.
Não ser uma coisa só, mas ser múltiplas coisas, o que obviamente dá muito trabalho. E ao refletir sobre essas coisas é que percebo que quanto mais reflito, mais desejo essa complexidade.
Quanto mais me esforço para descobrir o que quero ser, quanto mais tento me encaixar no que escolhi, quanto mais tento ser uma coisa só, mais descubro que quero ser muitas coisas.
Quero ser um pouco de tudo, mas quero ser eu. Isso é o que eu sou. Sou um pouco de tudo.
E gostaria, do fundo do meu coração, que as pessoas pudessem se sentir livres para serem quem são, ou o que gostariam de ser, ou que sejam isso agora e depois percebam que querem ser outra coisa e simplesmente sejam.
Sejam muitas coisas. Ou sejam uma coisa só.
Mas sejam.
Não quando crescerem, porque crescer demora e crescer já está aí.
Crescer é devagar e quando você vê, já passou.
Sejamos nós. Sejamos únicos. sejamos múltiplos.
Pois essa é a única certeza que tenho, até em relação a quem sabe exatamente o que sempre quis ser e foi: somos múltiplos.
Mas e você?
O que você quer ser quando crescer?

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